É como mágica: o burburinho da conversa que se desenrola enquanto a turma aguarda o arte-educador preparar e ligar o som dá lugar rapidamente a crianças e adolescentes atentos e interessados a cada movimento da aula de hip hop. Dentre todas as oficinas oferecidas à crianças e adolescentes de 6 a 14 anos pela unidade Vila Olímpia da Associação Beneficente Semear, em Campinas/SP, a atividade que envolve o gênero musical que surgiu na década de 70 em Nova York é a mais popular e concorrida, e vista como uma porta para oportunidades futuras na vida da comunidade.
Com a batida ritmada que pede movimentos rápidos e precisos, o hip hop é uma dança desafiadora para a maioria das crianças e adolescentes que frequentam a oficina comandada pelo arte-educador e dançarino profissional Wellinton Rodrigues dos Reis. Mas as crianças se mostram concentradas e esforçadas e conseguem aprender os passos e coreografias rapidamente.
O sucesso do hip hop na Associação Semear, que hoje é a oficina que referencia a entidade parceira da Fundação FEAC e é considerada a “menina dos olhos” pela equipe profissional do local, foi conquistado ao longo dos cinco anos em que o professor Wellinton atua na Vila Olímpia, mesmo tempo da existência da entidade no bairro.
“No início foi difícil. As crianças e adolescentes ficaram apáticos à dança e a participação era pequena”, lembrou o dançarino. A estratégia do arte-educador para conquistar o interesse da turma para a dança foi abordar a história e a origem do hip hop e as possibilidades que a dança pode trazer, no sentido de oportunizar sonhos e metas para suas vidas.
Outra abordagem de Wellinton foi falar sobre a própria experiência para inspirar os meninos e meninas, já que em sua adolescência, ele também participou do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), do governo federal, na época, desenvolvido em Sumaré/SP. “Eu sofri muito preconceito por ter escolhido seguir a carreira de dançarino. As pessoas, até mesmo da minha família, achavam que isso não era profissão. Mas provei para eles que é possível. Faço questão de passar minha vivência para que as crianças se conscientizem de que podem alcançar seus sonhos”, disse o dançarino, que com seu grupo Yo Hip Hop, já esteve em apresentações em programas de TV e participou de concursos internacionais de dança.
Dançar para transformar
Todo o trabalho desenvolvido com o hip hop que acontece há anos se transformou em um caso de sucesso na instituição. Hoje a oficina tem a participação da maioria das 300 crianças e adolescentes atendidos na Semear e, segundo Roberta Dantas de Oliveira Santos, coordenadora geral da entidade, é a ação que mais dá resultados e traz mudanças em todos os sentidos na vida dos participantes.
A dança estimula a disciplina, o senso de organização, a determinação, o respeito e o comprometimento dos meninos e meninas. Na opinião do arte-educador, a autoestima também é muito trabalhada, já que constantemente o grupo faz apresentações de dança e já esteve em empresas como a Bosch e no Teatro Iguatemi Campinas, na apresentação do programa FEAC Arte e Cultura.
“Nos momentos dos espetáculos é que os próprios atendidos, as famílias e até mesmo os profissionais da entidade conseguem ver o valor do trabalho que está sendo desenvolvido. É algo que dá orgulho, promove o estreitamento de vínculos entre toda a comunidade e valoriza o esforço de todos”, avaliou Wellinton.
A diversidade e a solidariedade também são questões trabalhadas na oficina de hip hop. Segundo o arte-educador, algumas crianças têm dificuldades em aprender os passos da dança, outras não têm muita coordenação motora. É aí que o valor de respeitar a limitação de cada um é trabalhado. Hoje todos se ajudam e percebem que apesar das dificuldades, com esforço e muito treino eles conseguem vencer suas próprias barreiras. O preconceito relacionado ao biotipo das crianças e adolescentes também foi vencido na oficina de dança.
“Hoje já está mais que comprovado que todos consegue dançar hip hop. Só depende deles mesmos, porque a força de vontade que eles têm com a dança é o que faz seguirem em frente e perceberem que é possível – não só no hip hop – traçar planos para a vida, fazer uma faculdade ou procurar emprego e se desenvolverem em todos os aspectos”, afirmou Wellinton. Para o arte-educador, somado ao esforço e dedicação, o amor pela dança também deve estar presente, por que acredita e ensina que aos seus pupilos que com estes sentimentos é possível alcançar o que se quer.
Bem-estar
Para Daniel Henrique de Barros, 13 anos, hip hop é vida. O menino desenvolto e que se destaca durante a coreografia que está sendo ensaiada, sempre teve interesse pelo gênero, e a oportunidade de dançar surgiu quando a oficina foi criada. Apesar da facilidade que tem para a dança, Daniel se dedica às aulas e sempre tira dúvidas para aprimorar seus movimentos. Tanta determinação o levaram a conquistar uma bolsa de estudos na mesma companhia de dança de Wellinton. “O hip hop traz coisas novas, aprendizagens, experiência e amigos. Se eu não dançasse, não teria acesso a muitas coisas que já tive até agora”, refletiu
Já Beatriz Oliveira Araújo, 14 anos, começou a frequentar o hip hop porque se considerava elétrica e bagunceira. “Eu comecei porque precisava gastar energia, e acabei me apaixonando pela dança. O hip hop me ajudou a ter resistência, e trouxe ensinamentos que levarei para a vida toda. O que aprendo na dança reflete na minha educação, no meu modo de agir, conversar e tratar as pessoas”, afirmou a menina, que leva sua experiência da dança para seus treinos como membro da equipe de atletismo da Orcampi, que representa Campinas em várias competições da modalidade no país.
Cartão de visitas
A força do hip hop na Semear acaba influenciando positivamente nas demais atividades oferecidas dentro da instituição. Segundo Gabriela Domingues de Castilho, assistente social, por meio da participação na oficina de dança, os atendidos passaram a se envolver com as demais iniciativas e houve o aumento da frequência de crianças e adolescentes.
Na opinião de Gabriela, o hip hop traz uma mudança de visão de mundo para os atendidos. “As famílias passaram a perceber as mudanças positivas dos filhos em casa. Temos vários relatos de pais que perceberam a motivação das crianças para a dança e também para buscar objetivos de vida. Então, elas veem no hip hop uma oportunidade para ter perspectiva de uma vida melhor do que elas estão acostumadas a conviver na comunidade onde moram”, disse.
Novas oportunidades
Um dos motivos pelo qual há tanta dedicação na oficina de hip hop na Semear é a oportunidade dos meninos e meninas participarem de apresentações culturais promovidas pelo programa FEAC Arte e Cultura, que tem como premissa valorizar e fomentar o desenvolvimento de ações socioculturais e esportivas como estratégia de convivência e fortalecimento de vínculos, enquanto direito fundamental de todos os cidadãos.
Para Roberta Oliveira, coordenadora geral da entidade, a participação dos atendidos nas apresentações do FEAC Arte e Cultura resultou inclusive no interesse de diversas empresas em apoiar a Semear. “Nossa participação no programa da Fundação FEAC abriu portas para que várias empresas conhecessem nossa instituição e assim, oportunidades de termos novas parcerias. É por meio dessas apresentações culturais que conseguimos mostrar o tamanho do trabalho que desenvolvemos”, afirmou.
Para a grande apresentação no fim do ano, o grupo de ensaio da oficina de hip hop da Semear já está treinando com persistência.
Segundo Nadir Aparecida Semenzin Braga da Silva, arte-educadora responsável pelo FEAC Arte e Cultura, o empenho, compromisso, responsabilidade e competência foram os ingredientes que trouxeram as crianças e adolescentes da Semear de volta para o palco do teatro em 2017, com um desafio ainda maior do que o vivenciado no espetáculo de 2016. Além da dança, terão que desenvolver outras habilidades que são inerentes a um musical: o teatro com diálogos falados e cantados. “O encontro com novas linguagens artísticas certamente despertará novas aptidões e a busca por novas experiências. Junto com as novas experiências, novas aprendizagens, a ampliação do repertório cultural e a oportunidade de conviver e interagir”, analisou.
Entre as famílias dos pequenos dançarinos, a participação do grupo em uma grandiosa apresentação é motivo de orgulho. É uma oportunidade única de interação e troca de emoções, reconhecimento e felicidade. Vínculos são fortalecidos. É a arte cumprindo sua função.